FALTOU HOTEL PARA JESUS?





“E ela deu á luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, por que não havia lugar para eles na hospedaria.” Lc 2: 7

            Frequentemente alguns irmãos pensam que José chegou às pressas em Belém procurando um “hotel” para se hospedar e não havendo “vagas”, por ocasião do censo, ficou num lugar improvisado, isto é, num estábulo.

            No entanto, não é isso o que o texto informa. No verso 4, o texto declara que José foi para Belém, no verso 5 informa que Maria estava grávida (“esperava um filho”). O versículo 6 começa da seguinte forma: “Enquanto estavam lá”; lá aonde? Em Belém, como informa o verso 4. Ou seja, José já estava lá e não chegou sendo pego de surpresa. Sendo assim surge a pergunta: se ele já estava em Belém, porque não havia lugar na hospedaria?

            Seguindo a exposição do verso 6, fica sem sentido pensar em hospedaria como hotel. Dessa forma precisamos recorrer a uma análise cultural.

            “As casas simples das aldeias da palestina em geral não tinham mais que dois cômodos. Um deles era exclusivamente para os hóspedes” (Bailey, 2016, p. 30). Na história de Elias, esse cômodo ficava na parte superior da casa (1 Rs 17: 19). Jesus faz alusão a esse tipo de casa em Mt 5: 15 quando uma candeia acesa ilumina todos na casa, ou seja, “se uma única candeia ilumina todos na casa, essa casa só pode ter um cômodo” (Bailey, 2016, p. 32).[1]

            Nas casas orientais na época de Jesus, a entrada do lar é um espaço onde se coloca os animais da família todas as noites. E todas as manhãs eles eram colocados para fora no pátio da casa. “O camponês quer os animais na casa todas as noites porque eles fornecem calor no inverno e ficam protegidos de roubo” (Bailey, 2016, p. 31).

            Com essa informação, podemos compreender que a história de Jefté em Jz 11: 29-40 não é um relato “de um carniceiro brutal”; mas que ele provavelmente voltou “bem cedo e esperava que um dos animais saísse do cômodo em que passara a noite com os demais” (Bailey, 2016, p. 32).

            Outro exemplo ocorre em Lc 13: 10-17 quando Jesus cura no sábado e diz para a mulher: “Você está livre [lit. desamarrada] da sua doença” (v. 12). O dirigente da sinagoga ficou zangado alegando que Jesus trabalhou no sábado. A resposta de Jesus vem no verso 15, no qual Ele quis dizer: “hoje, no sábado, vocês desamarram um animal. Eu ‘desamarrei’ uma mulher”. Sabendo que as casas sempre tinham uma manjedoura (ou estábulo) e os animais eram desamarrados e colocados no pátio pela manhã é que Jesus defende sua atitude. Também em 1 Sm 28: 24, no relato de Saul com a médium, esta toma um bezerro cevado em casa e mata. (Bailey, 2016)

            E “o cômodo principal era o ‘cômodo da família’ onde toda a família cozinhava, comia, dormia e vivia” (Bailey, 2016, p. 30).

            Mas a pergunta ainda permanece sem resposta: por que não havia lugar na hospedaria? A confusão da hospedaria como “hotel” é possível em virtude da passagem em Lc 10: 34 mencionar a palavra nesse sentido. O grego usado nesse texto é pandocheion (πανδοχεῖον)[2]. Pando significa todos; cheion significa receber. O lugar que recebe todos na época é uma hospedaria comercial, conhecido por nós hoje como hotel. (Bailey, 2016)

            No entanto, a palavra grega usada em Lc 2: 7 é katalyma (κατάλυμα)[3]. Seu sentido literal é “um lugar para ficar”, podendo se referir a vários tipos de abrigo. A narrativa nos permite três opções: hospedaria, casa e quarto de hóspedes. Essa última foi a escolha de Lucas. Ela também aparece em Lc 22: 11 onde é perguntado o local do quarto de hóspedes para comer a Páscoa com os discípulos.

            Sendo assim, o quarto de hóspedes estava cheio quando José e Maria chegaram. Em virtude do censo em Belém e algumas pessoas estarem indo para lá, assim como José e Maria grávida; é bem provável que quando chegaram a casa na qual ficariam hospedados, o quarto de hóspedes estava lotado (cheio). Dessa forma, Jesus nasce na manjedoura no cômodo da família.

            O texto de Lucas 2: 1-20 é belo pelo contraste entre o rei humano e o Rei dos Reis. Enquanto um está preocupado com um censo para arrecadar mais impostos, ter mais dinheiro, o Rei dos reis nasce numa manjedoura e “se declara rei dos pobres” (Spurgeon, 2013). O imperador Augusto é louvado em coro terreno por ter inaugurado a paz mundial (Keener, 2017, p. 215), Jesus é louvado por anjos e a paz agora é concedida, não pelo imperador, mas pelo Senhor na manjedoura. A manjedoura não tem beleza nem glória, mas ela passou a ter porque o Rei da Glória estava nela.         
            Augusto comanda à distância, Jesus estende um convite aos humildes para que venham até Ele. “Nós poderíamos tremer se nos aproximássemos de um trono, mas não temeríamos se nos aproximamos de uma manjedoura” (Spurgeon, 2013). Jesus não nasceu em berço de ouro, mas “deitado em uma manjedoura demonstrava que era um sacerdote tomado dentre os homens, alguém que sofreria como seus irmãos e, portanto, alguém capaz de comover-se com nossas debilidades”. Na manjedoura “o evangelho é pregado a toda criatura e não exclui ninguém” (Spurgeon, 2013).

            “Jesus não se comporta como o rei que o mundo espera. Não veio com quaisquer credenciais acadêmicas. Não tinha nenhum status social. Quando José trouxe a família de volta, estabeleceu-se o mais longe possível dos centros de poder real. Foi para Nazaré (Mt 2.22,23). Assim, Jesus não só nasceu em uma manjedoura, mas também foi criado como nazareno” (Keller, 2017).

            Assim como Spurgeon, “eu creio que nosso Senhor foi colocado na manjedoura na qual os animais se alimentavam, para mostrar que inclusive os homens que se assemelham às feras podem vir a Ele e viver”. Na manjedoura ele apresenta “a capacidade de salvar o mais vil dos vis, e de aceitar ao pior dos piores” (Spurgeon, 2013).  

            Esse é o cerne do Natal, o menino Deus, envolto em panos na manjedoura, convida todos os pecadores a se arrependerem.   

Por Thiago Andrade
Revisão: Thalyta Priswa 

 Referências bibliográficas:

Bailey, Kenneth E. Jesus pela ótica do Oriente Médio: estudos culturais sobre os evangelhos. São Paulo: Vida nova, 2016.
Keller, Timothy. O Natal escondido: a surpreendente verdade por trás do nascimento de Cristo. São Paulo: Vida nova, 2017.
Keener, Craig S. Comentário hitórico-cultural da Bíblia: Novo Testamento. São Paulo: Vida nova, 2017.
Spurgeon, Charles H. Não havia lugar para Cristo na hospedaria. Projeto Spurgeon – Proclamando a Cristo crucificado, 2013. 







[1] Grifo nosso
[2] Dicionário Grego Strong
[3] Dicionário Tuggy e Dicionário Swanson em espanhol.

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